Provérbios 6:12-19 - ARC
12 O homem vil, o homem iníquo,
anda com a perversidade na boca, 13 pisca os olhos, faz sinais com
os pés, e acena com os dedos; 14 perversidade há no seu coração;
todo o tempo maquina o mal; anda semeando contendas. 15
Pelo que a sua destruição virá repentinamente; subitamente será quebrantado,
sem que haja cura. 16 Há seis coisas que o Senhor detesta;
sim, há sete que ele abomina: 17 olhos altivos, língua mentirosa,
e mãos que derramam sangue inocente; 18 coração que maquina projetos
iníquos, pés que se apressam a correr para o mal; 19 testemunha falsa que profere
mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos.
Por Jânsen Leiros Jr.
O sábio mantém suas advertências numa
sequência que acredito interligar um apontamento a outro, como se o todo não
deixasse de falar de um mesmo personagem imaginário, sobre quem se faz alusão
como sendo uma terceira pessoa. Um estilo diferente de orientar, que descansa,
de certa forma, o modelo de advertência direta, utilizado até o final do
capítulo cinco.
O homem vil e iníquo, que em algumas
traduções utiliza homem de Belial e vil, é um perverso contumaz que age
ostensivamente para realizar o mal, determinado que está a aniquilar tudo e
qualquer coisa que não lhe seja proveitoso ou conveniente. Um homem que tem
prazer no mal que realiza. Alguém que prefere o mal ao bem. Uma predileção
diabólica.
As características desse homem iníquo,
são descritas por alguém que se deteve a observar suas atitudes. Alguém que
acompanhou esse homem realizando suas perversões, registrando suas atitudes,
seus maneirismos e sinais. Sim sinais, porque tal homem perverso, não só age
com vilania, como bem se utiliza de outros tantos que a ele se juntam na
realização de suas perversidades; o engodo, o engano, a trapaça, os acordos mentirosos.
Como possivelmente um contrato de fiança em que terceiros servem de testemunhas
dos valores e prazos de pagamento acordados, por que não?
O homem vil é aquele que se dá à maldade
e à perversidade por preguiça de trabalhar e ganhar seu sustento honestamente.
Sim, porque agir de forma correta, proba, requer trabalho, desgaste, suor.
Fazer o que é certo requer atitude diligente e perseverante. É muito mais fácil
fazer a coisa errada. O mal é sempre um atalho utilizado por alguém, no intuito
de atingir aquilo que pretende, porém sem esforço ou trabalho. Claro, fosse o
mal mais trabalhoso que o bem, se faria o bem, quanto mais não fosse, por
preguiça.
É importante perceber que o perverso
todo o tempo maquina o mal. Ele gasta tempo articulando sua trama. Tem prazer
em ser enganoso, influente, manipulador. Tem em mente as expressões certas, o
tom adequado de como falar, domina e controla todo o teatro de sua maldade,
mexendo os dedos, torcendo a boca, riscando o chão com os pés. Utilizando-se de
toda sorte de estratégias combinadas previamente com seus comparsas, para
enganar o inocente e conquistar seu objetivo.
Não é sem motivo que ele é chamado de
perverso e iníquo, ou mesmo de homem de Belial, nome que mais tarde será
utilizado para designar o próprio diabo. Esse vilão social repugnante traz em
seu traço de personalidade e comportamento, as atitudes que Deus mais abomina
como recorrentes em alguém. E aqui é importante ressaltar que seis... e sete,
como também três... e quatro, que veremos mais à frente, não são números
exatos. A ideia do estilo, não podemos esquecer que estamos lendo uma
literatura poética, é apresentar uma lista que apenas relacionará aquilo que
afirmará em seu conteúdo. Ou seja, aqui a lista tem sete coisas. Em outro lugar
quatro. Poderia mais tarde ter uma ou vinte. O conteúdo do ensino define a
quantidade de itens da relação.
De qualquer forma, as sete atitudes
abomináveis caracterizam sem qualquer falha um homem iníquo, de cuja
perversidade se utilizará de uma ou outra característica relacionada, senão de todas,
dependendo da circunstância e do objetivo. Confesso que deveria resistir ao
desejo de comentá-las separadamente, dado o objetivo principal desse pequeno
comentário livre. Mas peço perdão. Irresistivelmente, iremos a eles:
Olhos altivos
- a expressão flagrante e perceptível da soberba; primeira atitude de
descolamento social e de afastamento espiritual de Deus. O Senhor resiste ao
soberbo. A soberba faz de qualquer pessoa uma ilha, isolando-a da realidade. Nada
é mais importante para ela, do que ela mesma. Portanto se satisfará sempre,
custe o que custar.
Língua mentirosa
- antes de tudo uma língua descompromissada com a verdade. A expressão língua
mentirosa não se refere a uma mentira isolada, mas a um hábito corriqueiro e
preferivelmente utilizado como estilo de vida e interação com o outro. A
soberba requer a mentira e necessita dela, pois mascara a realidade que a
soberba não quer ver ou precisa esconder. A língua mentirosa está pronta para
dizer até alguma verdade, caso essa lhe seja conveniente, quando aplicando
algum golpe mentiroso, ou dissimulando alguma observação mais prudente de sua
vítima.
Mãos que derramam sangue inocente
- pois não há nem pode haver qualquer impedimento ou barreira para o objetivo
do perverso. Nem a vida. Muito menos de outro. Ainda que inocente e normalmente
do inocente, pois preferivelmente é a vítima de sua vilania. No pensamento do
soberbo o inocente ganha outro apelido; o otário, o mané ou trouxa.
Coração que maquina projetos iníquos
- e aqui há uma alusão interessante. O ato iníquo não parte da mente. Não é um
plano racional. É emocional. É pretendido preferivelmente a qualquer outra
possibilidade justa, e atende a um desejo, e não a uma necessidade fisiológica
ou carência de sobrevivência. Ele maquina o mal para saciar um desejo
irresistível pela maldade. A perversidade é seu deleite.
Pés que se apressam a correr para o
mal - porque não pode perder tempo. O prazer que a
perversão lhe causa é um deleite a que se apressa em proporcionar a si mesmo.
Todo seu ardil e vilania atende a esse prazer, e por isso não há tempo a
perder. Há sempre alguém louco para ser enganado, roubado ou morto, pensa o
perverso em sua perversidade.
Testemunha falsa que profere
mentiras - se a mentira já um estado natural da
língua do iníquo, testemunhar falsamente não lhe é nenhuma dificuldade. Muito
pelo contrário. Testemunhar falsamente para obter algum lucro, é mais do que
natural para esse homem. Aliás, o falso testemunho é parte do seu teatro de
ações malévolas. Eles mentem sobre acordos, valores, prazos, pagamentos. As
testemunhas destes atos mentem sobre os fatos, beneficiando o iníquo e
prejudicando os inocentes. Será que não conhecemos situações semelhantes?
O que semeia contendas entre irmãos
- e por fim o diabo. Sim, porque há algo mais diabólico do que semear a
discórdia? O perverso prefere o caos. É o seu ambiente ideal, onde não há
entendimento nem boa vontade entre ninguém. Normalmente, enquanto o iníquo
semeia discórdia entre os outros, ele mesmo se mostra como o amigo próximo e
oportuno, tirando proveito do momento e afastando as pessoas entre si. E quanto
mais afastadas e armadas uma contra as outras, mais longe estarão de uma
possível resistência conjunta contra o perverso. A estratégia do mal é
dissolver o bem. Impedir a unidade. Por isso é tão bom e agradável os irmãos
vivendo em união. É sempre mais difícil romper o cordão de três dobras.
Não é sem motivo que a destruição de tal
indivíduo será repentina e sem recuperação. Repentina porque a soberba não lhe
permitirá sequer notar qualquer aproximação de risco ou do fim de sua vilania.
Ele está sempre confortável em seu castelo de horrores, sentindo-se seguro
protegido pela montanha de maldades, muro de vergonha que construiu. Não haverá
cura, porque o arrependimento não lhe é possível, não lhe é próprio. Na verdade,
entende seu revés apenas como momentâneo, e resultante de algum equívoco em seu
planejamento do mal. Articulará melhor da próxima vez, pensa, enquanto avalia
suas perdas. O mal será sempre seu objetivo.
Por fim, é importantíssimo ressaltar um
detalhe. Ainda que o alerta seja quanto a um personagem imaginário, no qual o
sábio moldou todas as características do perverso, no fundo seu discurso não
deixa de ser uma advertência ao seu discípulo, a quem logo adiante voltará a
falar diretamente. Portanto o alerta cabe a nós, a todos nós. O conjunto das
características do homem vil esteve reunido em um só personagem, mas bem pode
se manifestar isoladamente em nossos comportamentos cotidianos; atitudes essas
que precisarão sempre ser evitadas e banidas do nosso dia a dia.
Que estejamos sempre alertas para que a
iniquidade jamais se manifeste em nossas atitudes, e em nosso relacionamento
com o próximo.